O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta sexta-feira (29) que não vê uma “crise” entre o Legislativo e o Judiciário no país. O ministro também pregou diálogo entre as instituições para a superação de impasses.
Barroso deu as declarações durante entrevista, concedida um dia após o magistrado tomar posse como novo presidente do Supremo.
Ele foi questionado sobre os recentes embates entre Congresso nacional e Supremo a respeito de julgamento em andamento na Corte, como o do marco temporal para demarcação de terras indígenas e o que trata do porte da maconha para uso pessoal. Barroso também disse que o debate do aborto talvez não esteja maduro na sociedade
“Sinceramente, diria que não vejo crise [entre STF e Congresso]. O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo, na boa vontade e na boa-fé. E não tenho nenhuma dúvida que isso acontecerá”, afirmou.
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Barroso acrescentou que o arranjo institucional brasileiro, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, cria “sobreposições” de tarefas do Legislativo e do Judiciário. E disse que buscará o diálogo “respeitoso” e “institucional” para lidar com essa questão.
O presidente do STF afirmou ainda que o Congresso tem a palavra final sobre a maior parte dos temas, já que pode aprovar propostas que alteram a Constituição. O Congresso só não pode mudar cláusulas pétreas da Constituição, que são aquelas regras intocáveis da legislação brasileira.
“Em não se tratando de uma decisão sobre cláusula pétrea, o Congresso é no fim quem tem a última palavra, porque sempre pode aprovar PEC incluindo emendas na Constituição Federal”, disse o ministro.
Pelo que levantamos, ao menos seis temas têm gerado atritos entre o Legislativo e o Judiciário no Brasil:
Na entrevista, Barroso foi perguntado sobre o julgamento sobre porte de maconha. Ele defendeu debate sobre o tema e afirmou que o Congresso pode também tratar do tema. O presidente do STF explicou que a Corte está definindo qual quantidade será o critério para uso e tráfico.
Indagado sobre a análise da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, o magistrado afirmou que o tema envolve “sentimentos religiosos respeitáveis” e que, talvez, o assunto não esteja maduro. Ele disse considerar que o tema pode voltar à pauta nos próximos dois anos.
“Na minha visão, esse é um assunto que talvez ainda não esteja maduro. O debate é preciso. O debate que eu digo é porque a Constituição não pertence ao Supremo nem pertence ao Congresso”, afirmou o ministro.
“É preciso que o debate seja um debate mais aprofundado, de uma questão delicada, porque ela envolve sentimentos religiosos respeitáveis das pessoas. E, numa democracia, todo mundo merece respeito e consideração, mesmo quem pense diferente da gente”, completou.
Senadores e deputados da oposição, principalmente os conservadores e ruralistas, têm reagido a decisões do STF em temas que, na avaliação deles, deveriam ser tratados no Congresso.
Nos últimos dias, grupos parlamentares decidiram obstruir a pauta de votações da Câmara e do Senado – ou seja, não votar nenhuma matéria – para marcar posição contra o STF.
Além disso, esses políticos têm buscado aprovar projetos que contrariam entendimentos da Corte.
Se, de um lado, alguns congressistas entendem que o Supremo está legislando, de outro há a avaliação de que as decisões do STF preenchem um espaço deixado pela falta de atuação do parlamento em temas importantes.
Apesar de a discussão ser antiga, o desgaste se acirrou nos últimos dias, após decisão do STF de barrar a tese do marco temporal.
Por essa tese, só poderiam ser demarcadas terras que ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A decisão desagradou a parlamentares da bancada ruralista.
Também na entrevista, Luís Roberto Barroso foi questionado sobre a indicação que o presidente Lula fará para a vaga aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber no STF.
Três nomes aparecem como favoritos ao cargo: Flávio Dino (ministro da Justiça), Bruno Dantas (presidente do Tribunal de Contas da União) e Jorge Messias (advogado-geral da União).
O novo presidente do STF evitou fazer comentários sobre a indicação, mas elogiou o perfil dos cotados. “Os três nomes, eu, pessoalmente, acho que são excelentes nomes do ponto de vista de qualificação técnica e idoneidade”, disse.
Barroso também comentou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que retirou das Forças Armadas da lista de entidades fiscalizadoras do processo eleitoral.
O presidente do STF disse considerar a decisão da Corte Eleitoral “perfeitamente razoável”.
Ele disse também que, quando era presidente do TSE, criou uma Comissão de Transparência das Eleições e que um militar do Exército foi indicado para representar a instituição no colegiado.
“Devo dizer que o general [indicado] se comportou exemplarmente bem. Mas, lamentavelmente, as coisas não se passaram bem ali, porque o desejo era que contribuíssem para a transparência e para a segurança; e, seguindo orientações do comandante-em-chefe [Jair Bolsonaro], trabalhavam para levantar desconfianças. Foi uma pena”
Barroso ressaltou que o relatório final da comissão constatou que não houve fraude nas eleições, e, portanto, a participação das Forças Armadas também legitimou as eleições.