Parentes também disseram que carro que fazia socorro da grávida chegou a ser alvo de tiros da polícia.
O homem que matou dois policiais militares durante um tiroteio em Camaragibe, no Grande Recife, treinava tiros na mata e invadiu a casa onde uma grávida e um adolescente foram baleados. Segundo Jean William, advogado da família de Ana Letícia, a gestante, o criminoso a fez de “escudo” ao tentar fugir dos PMs. Depois disso, seis pessoas da mesma família, incluindo o atirador, foram mortos em menos de 24h.
As oito mortes, incluindo os dois PMs e seis civis, aconteceram entre a quinta-feira (14) e a sexta-feira (15). Ana Letícia e o adolescente estão internados no Hospital da Restauração, no Recife. A grávida, segundo a família, perdeu parte da visão do olho esquerdo e massa encefálica.
Na manhã desta segunda-feira (18), parentes deles prestaram depoimento na sede do Grupo de Operações Especiais (GOE), no bairro do Cordeiro, Zona Oeste da capital.
Carlos Augusto da Silva Filho, irmão de Ana Letícia, contou que foi torturado por policiais militares logo após a morte dos dois PMs, e que o carro em que ele tentava socorrer a irmã foi alvo de tiros disparados de viaturas.
Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), os PMs mortos verificavam uma denúncia de que um homem estava em cima da laje “dando tiros para cima em uma comemoração”. A laje fica na casa dos jovens baleados, mas, segundo a família, Alex da Silva Barbosa não esteve lá.
Ele estaria treinando tiros em uma mata. Alex, que não tinha antecedentes criminais, tinha uma arma de mira a laser que era registrada pois ele era CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador).
A família tem uma barraca de lanches na laje e estavam reunidos no local para preparar comida. Segundo Carlos Augusto, Alex entrou na casa da família para fugir da abordagem da polícia.
“Não estava tendo nenhuma festa, não tinha som. Alex vinha da mata em direção à casa dele e a viatura [vinha] do lado contrário. A polícia chegou na frente da gente e mandou todo mundo ficar parado para a abordagem. Quando a gente levantou as mãos, ele [Alex] correu por trás da gente e pulou a laje para dentro da minha casa”, disse.
Nesse momento, a polícia teria entrado na casa para procurar Alex. Ana Letícia estava dando banho no filho mais velho, de 3 anos, e o adolescente baleado, primo de Ana Letícia, teria ido buscar uma fralda para a criança.
“Quando ele [Alex] pulou, a polícia entrou em perseguição dentro da casa. Ele fez a Letícia de escudo”, explicou um dos advogados da família, Jean William.
O tiro no adolescente de 14 anos aconteceu enquanto os policiais ainda procuravam pelo suspeito, entre as três casas da família, que ficam em um mesmo terreno.
“A polícia, em busca do Alex, deu um tapa nele [no adolescente]. Ele caiu e, ainda no chão, a polícia atirou”, complementou o advogado Jean William.
O pai da jovem baleada, Carlos Augusto, disse que policiais atiraram no carro enquanto ele tentava socorrer a filha.
“Quando eu ouvi os tiros e olhei para baixo, estava a minha filha entre a mesa e a geladeira, baleada com um tiro na cabeça. Eu peguei a menina para socorrer. Quando ia descendo a ladeira de Aldeia, chegou uma viatura descendo e outra subindo, metendo bala no meu carro. Deram quatro tiros, um pegou no pneu e quase que eu caía no córrego”, contou.
Segundo o irmão da jovem baleada, a busca por Alex da Silva Barbosa, de 33 anos, resultou em uma série de abusos por parte da polícia, incluindo os tiros que atingiram os jovens, tortura e perseguição.
“Foi aí que meu pai saiu do carro e falou: ‘que injustiça é essa que vocês estão fazendo? Que Pacto Pela Vida é esse?’. Quando o policial viu minha irmã ferida, ficou sem reação e aí parou”, disse o irmão.
Ao chegar na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), a equipe médica verificou que Ana Letícia precisaria ser encaminhada ao Hospital da Restauração. Carlos Filho estava se preparando para acompanhar a irmã na ambulância quando foi abordado por policiais.
“Ele [o policial] disse: ‘Não vai. Tu vais comigo dar uma voltinha ali’. Eu pensei ‘meu Deus, eu vou morrer'”, afirmou.
Carlos Filho contou que foi levado para a Arena de Pernambuco, em São Lourenço da Mata, no Grande Recife.
“Eles me tiraram do porta-malas e mandaram eu correr, só que eu falei que não ia, porque não estava devendo nada, só estava socorrendo minha irmã. Eles deram na minha cara com a arma, me botaram no porta-malas de novo e foram para a Delegacia de Camaragibe”, afirmou.
Segundo Carlos Filho, PMs também tiraram fotos dele e divulgaram em grupos nas redes sociais.
“Eles ficaram me torturando, deram em mim, falaram que iam matar minha família. Quando chegou na UPA, eles tiraram uma foto minha para colocar no grupo deles, dizendo que eu era um matador de policial, vulgo ‘Gusta’, e eu sempre falando a eles que nunca fiz nada, nem fui numa delegacia”, declarou.
Carlos Filho contou, ainda, que foi conduzido ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) algemado.
“Eles ficaram na frente da câmera e me mandaram colocar a língua para fora, para dar choque em mim, mas a delegada viu e me levou para uma sala. Ela que conversou comigo e tirou minhas algemas. Se não fosse a delegada, eu acho que eles nem iam deixar eu falar com ela. Eles iam me tirar de lá e iam me matar. Pelo que eu vi, eles estavam com muita raiva, mas eu era inocente”, disse.
Procurada por nossa equipe, a Secretaria de Defesa Social (SDS) disse que as investigações estão sendo conduzidas pelo delegado Ivaldo Pereira, do Grupo de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil, que vai se pronunciar ao fim das apurações do caso.